Publicado originalmente no blog quadro-magico, em 17 de julho de 2011
Uma arte de projeção
Joselito Gomes, há 13 anos projecionista do Cinema da
Fundação
Praticamente invisíveis, eles estão ali, cuidando da sua
sessão de cinema. Apesar de serem lembrados somente quando o filme falha, um
atestado recente da importância dos projecionistas está em carta enviada pelo
diretor Terrence Malick, que recomendou aos projecionistas normas de afinação
do equipamento para exibir seu novo filme, A árvore da vida.
Há 15 dias, Michael Bay fez o mesmo para garantir que seu
Transformers 3 não perdesse em virtude da luz filtrada pelos óculos 3D. Neste
fim de semana, a produtora de Harry Potter também indicou parâmetros para sua
correta exibição. A preocupação procede, já que nos últimos anos o que temos
visto é a multiplicação de salas de shopping, que se preocupam mais com
qualidade da pipoca do que com as condições em que os filmes são exibidos.
No Recife, poucos projecionistas “à moda antiga” estão em
atividade. Com o fim dos cinemas de rua, nos quais se alternavam operadores com
décadas de experiência, acabou-se também o romantismo da profissão. A gradual
digitalização das salas é outro fator que aponta para o acanhamento da função.
Assim como diminui a interação com o público e com o próprio filme a ser
exibido, há menos intimidade com a maquinaria.
Thiago Augusto, projecionista do UCI Ribeiro Casa Forte, vê
nesse distanciamento um processo de alienação. “A gente tem alcance limitado
para mexer no equipamento, quando precisa tem que acionar a manutenção
especializada. Além de ter um custo para o cinema, o projecionista fica de mãos
atadas”.
Para Joselito Gomes, que trabalha no Cinema da Fundação, no
futuro próximo bastará alguém que saiba apertar botões, já que a projeção
digital se resume a acionar aparelhos pré-ajustados. “Uma sala de shopping com
12 salas desempregou 11 projecionistas. Para quem está começando talvez isso
seja um sofrimento, porque esta é uma profissão que apaixona”. O segredo para
uma boa projeção? “Tem que ter sensibilidade e estar atento, senão o público
deixa de prestar atenção no filme para reparar nos problemas”.
Joselito começou no extinto complexo Trianon - Art Palácio.
Em 1998 foi para o Cinema da Fundação, por indicação do falecido Seu Alexandre
(Moura), que não pôde assumir pois já trabalhava no Cinema Arraial. “Aprendi
olhando. Fui contratado como mecânico do ar-condicionado, mas era rato de
cabine. Chegava mais cedo e treinava, fui pegando o jeito até que chegou um
tempo em que o projecionista ia dormir e eu ficava fazendo o serviço dele”.
Depois de contratado, Joselito testemunhou várias situações
inusitadas – outras apimentadas – mais nada como o dia em que, durante sessão
superlotada de Rambo 3, o público quebrou tudo, até as poltronas. “O gerente
quis exibir uma cópia para duas salas. Como o rolo não chegou a tempo no outro
cinema, o público protestou. Teve gente que até arrancou a camisa”.
Antes de trabalhar no Apolo, Luciene Arruda começou a
carreira no UCI Ribeiro Recife. “Queria trabalhar na bomboniere, mas como tenho
curso de eletrotécnica, me escalaram para a cabine. Quando entrei, fiquei
horrorizada e quis desistir, eram dez máquinas!”. As condições de trabalho
também não eram as melhores. “Lá você não respira, não para pra comer, até ir
ao banheiro é complicado”.
Luciene é uma das poucas - se não a única - representante
feminina numa profissão tradicionalmente masculina. "Sou uma
enxerida", se classifica. "Eles dizem que eu sou pequena demais pra
subir e descer escada com os rolos, mas pra trabalhar direito, precisa é disso
aqui", diz, apontando para a cabeça.
Thiago Augusto, que já trabalhou no Box Guararapes,
compartilha a opinião. “É bem cansativo. Acontecia muito de ficar sozinho nas
12 salas. Não sei como o Box está hoje, mas na época foi bem difícil”. Chamado
para o UCI Casa Forte, Thiago chegou a trabalhar na montagem das salas. “Como
eu comecei com a carga pesada no outro complexo, tiro as cinco salas de letra.
E em termos técnicos, o Casa Forte é o paraíso dos projecionistas”.
Vidas dedicadas ao cinema - Os projecionistas entrevistados
pelo Diario concordam que esta é uma profissão apaixonante. O que mais
justificaria vidas inteiras dedicadas, inclusive fins de semana madrugadas
adentro? Paulo Bezerra Bento, o mais antigo em atividade no Recife, começou
como zelador no Cine Nossa Senhora de Fátima, em Paratibe e passou por vários
outros desde então. “É uma profissão muito esquecida, as condições não são
ideais”. Lá de cima, na cabine, ele disse que já viu de tudo. “Casal que
namora, gente que dança, bate palma. Já vi até soltar bomba de São João”.
Já André Viana, assumiu o cargo do projecionista do antigo
Cine Ribeira, pois o titular havia tomado uma cachaça na noite anterior. Anos
depois, quando começou a trabalhar no Cine Floriano (onde hoje funciona uma
igreja), nem poderia imaginar que ali, entre uma sessão e outra, iria conhecer
a mulher com quem está casado há 25 anos. “A irmã era funcionária e a família
dela estava sempre por lá”. Sem esconder a tristeza, ele lamenta não ter tido
condições para ficar mais tempo perto da família. “Sustentei meus filhos com
essa profissão. Mas não pude estar mais presente”.
Categoria quer mais reconhecimento - No circuito comercial,
o salário de um projecionista está longe de corresponder à responsabilidade de
sua profissão. Não há um sindicato próprio, o que diminui sua força com os
patrões. “Só sei das reclamações, nunca dos elogios”, afirma Thiago Augusto
que, da solidão de sua cabine, diz se sentir sozinho. “Muitas vezes nossa voz
não é ouvida. As preocupações são outras, pois bilheteria é o menor dos lucros,
o grosso vêm dos produtos vendidos na bomboniere. É com isso que eles se
preocupam”.
Estudante de história, Thiago participa de um movimento para
organizar um sindicato. “A insatisfação é grande. O salário não é ajustado há
anos, a gente ganha no contracheque R$ 670. Tem gente lá embaixo vendendo
pipoca que ganha mais do que a gente. Esse sentimento de estagnação leva a
gente a pensar em procurar coisa melhor”. E não só Thiago tem outros planos
para a carreira. Seus colegas também. “Todos adoramos aquele trabalho, é um
emprego tranquilo. Mas estamos procurando outras coisas. É uma pena, pois é uma
profissão bonita, é prazeroso promover uma sessão perfeita pra quem está
assistindo”.
Para preparar novos profissionais, a Fundação Joaquim Nabuco
tem o projeto de oferecer, em parceria com a Fundarpe, um curso de capacitação
em que Joselito e Luciene fossem os professores. No entanto, o projeto ainda
não saiu do papel.
O ranking dos projecionistas
Joselito Gomes
Dançando no escuro
Buena Vista Social Club
Irreversível
Gandhi
O último imperador
Paulo Bezerra Bento
Os dez mandamentos
Ben Hur
A noiva
O Corcunda de Notre Dame
... E o vento levou
André Tadeu Viana
Dio como te amo
Dirty dancing
A força do destino
O cobra
Luciene Arruda
O rap do Pequeno Príncipe contra as almas sebosas
Amistad
Julie & Julia
O discurso do Rei
Piaf
Thiago Augusto
Bastardos inglórios
Cisne negro
A conquista da honra
Bravura indômita
Meia-noite em Paris
Orientações de Terrence Malick para os projecionistas
1. O filme deve ser projetado no formato 1.85:1;
2. Por não conter créditos de abertura, “as luzes devem ser
apagadas antes do frame inicial do primeiro rolo de filme”;
3. Coloque o Fader dos sistemas Dolby e DTS em 7.5 ou 7.7
(maior que o padrão 7);
4. As lâmpadas de projeção devem estar em "funcionamento
padrão" (5400 Kelvin) e que o nível Foot-Lambert [medida de luminosidade
comum nos EUA] esteja no “padrão 14”
(Diario de Pernambuco, 17/07/2011)
Texto e imagem reproduzidos do site: quadro-magico.blogspot.com.br
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