quinta-feira, 22 de junho de 2017

Cine Humberto Mauro - 30 anos

Na projeção. Alípio José Ferreira, 78, admirador dos clássicos que viu da cabine.

Publicado originalmente no site O Tempo Magazine, em 11/10/2008.

Cine Humberto Mauro - 30 anos. 

Resistência e memória

Por Marcelo Miranda. 

O Cine Humberto Mauro sempre se caracterizou tanto pela ousadia de suas programações - com mostras e retrospectivas de cinemas vindo dos países mais inusitados, como Rússia, Hungria, Suécia e, nos anos 80, até mesmo da Alemanha Oriental - quanto por formar diversas gerações de cinéfilos. O pesquisador e professor Ataídes Braga está ligado às duas vertentes. Ele freqüenta o Cine Humberto Mauro desde o final dos anos 70, quando tinha 16 anos, e guarda todos os folhetos de programação desde aquela época. O objetivo é publicar o livro "Cachoeiras e Filmes", em processo bastante adiantado. Ataídes pretende registrar todas as mostras que já passaram pela sala em suas três décadas - e mesmo antes. "Já tenho muito material do período pré-inauguração do cinema", conta ele. O título da publicação homenageia o patrono da sala - Humberto Mauro dizia que "cinema é cachoeira". "Era um espaço de formação política, que insistia em exibir filmes e gerar variadas discussões", afirma o pesquisador. "Hoje, ainda mantém a resistência de não se render a filmes comerciais e seguir com debates", avalia.

A PROGRAMADORA. Herdeira de um cargo que já passou por dezenas de nomes - Helvécio Ratton, Rafael Conde, Mônica Cerqueira, José Zuba Jr e Daniel Queiroz, entre outros -, a jornalista Ana Siqueira é a diretora de programação da sala desde janeiro deste ano. "O contexto de um trabalho como este mudou muito. O Cine Humberto Mauro surgiu numa época em que os cinemas de rua estavam no auge, não havia DVD nem internet e os cineclubes funcionavam com toda a força. Atualmente, a existência de uma sala como a nossa tem ainda mais diferencial", diz Ana, que enxerga o cine como "um abrigo" para o que não teria vez em outros lugares e, ainda assim, é relevante de ser exibido. A vida de Ana literalmente é paralela ao Cine Humberto Mauro. Ela nasceu apenas um mês depois da inauguração da sala. Obviamente, desde cedo passou a freqüentá-la. Soa uma bela coincidência, portanto, que Ana esteja grávida - quando o filho (ou filha) tiver a sua idade, o Cine Humberto Mauro vai estar completando 60 anos.

O PROJECIONISTA. Aos 78 anos, Alípio José Ferreira se orgulha de ser o mais longevo projecionista ainda em atividade em Belo Horizonte. Nascido em Conselheiro Lafaiete, Alípio está no ofício há 51 anos. "Comecei ainda como ajudante, mexendo nos rolos de filme", relembra ele. Impressiona a quantidade de cinemas onde trabalhou. Alípio faz questão de tentar seguir a cronologia, mas se perde quando percebe ter deixado algum local para trás. No saldo, entram, por exemplo, os extintos Cine Rosário, Cine Tamoios, Roxy, Guarani, Havaí, Pompéia, Serrador, Astória e Salgado Filho. Ele entrou para o Cine Humberto Mauro em 1987. "O que me faz permanecer na profissão é simplesmente porque eu gosto", resume. De filmes, claro, também é fã. Seus favoritos - vistos da cabine de projeção dezenas de vezes - são todos clássicos: "... E o Vento Levou", "O Morro dos Ventos Uivantes", "O Mágico de Oz" e "Cidadão Kane".

O PORTEIRO. Outro funcionário antigo na casa, curiosamente José Horta de Oliveira, 65, entrou no mesmo ano de Alípio. Nasceu também no interior, em Bom Jesus do Galho, e está na capital há 33 anos. Antes do Cine Humberto Mauro, Horta trabalhava no Cine Nazaré e no Cine Regina - sempre como recepcionista. "É um serviço muito bom, mas que exige um pouco de paciência porque cada pessoa é de um jeito", comenta ele. "Hoje está mais complicado, os jovens são muito desobedientes." A função de José Horta consiste em estar à disposição dos freqüentadores da sala no que ele puder ajudar - "tento não deixar fazer barulho na sala e também controlo o ar-condicionado". Entre um momento de folga e outro, consegue dar uma espiadinha nos filmes em exibição. "Aqui é interessante porque passa filme de arte, né? E de tudo quanto é país." Dos que se lembra, conta gostar muito de "Deus e o Diabo na Terra do Sol" e assume ser fã dos franceses Gérard Depardieu (ator) e François Truffaut (diretor).

A MOSTRA. Nas celebrações dos 30 anos do Cine Humberto Mauro, a sala exibe, de 15 de outubro (próxima quarta-feira) ao dia 26, 12 filmes escolhidos por 12 dos antigos programadores do lugar. "Foi uma idéia que a gente teve de ir atrás dessas pessoas e mostrar como elas fazem parte dessa história que está sendo formada", explica Ana Siqueira. Cada ex-curador teve liberdade de escolher um título a ser exibido na mostra (veja quadro). "Com as escolhas particulares de todos eles, conseguimos formar um retrato bastante diversificado e condizente ao perfil do Cine Humberto Mauro!, conclui.

Texto e imagem reproduzidos do site: otempo.com.br

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