quinta-feira, 27 de novembro de 2014

José Luiz Zagatti



O catador de sonhos
Por Izabela Vasconcelos O. Almeida.

Um cinema feito com materiais encontrados no lixo já fez os olhos de muitas crianças brilharem na periferia de Taboão da Serra.

A história de José Luiz Zagatti, 56, é conhecida no Brasil e fora dele, ele já foi notícia em mais de 20 jornais, revistas e programas de televisão. O catador de papelão, nascido em Guariba, interior do estado, montou o Mini Cine Tupy, no Jardim Record, em Taboão da Serra, com filmes e projetores encontrados no lixo. Zagatti, que estudou só até a 3ª série do ensino fundamental, criou seu primeiro projetor aos 12 anos e se encantou com o mundo do cinema, cultura que procura levar aos moradores de sua região, mesmo sem apoio financeiro e com uma estrutura simples, mas com muita boa vontade e paixão.

Quando o senhor foi a um cinema pela primeira vez?

Aos cinco anos de idade. Fui com a minha irmã, ela já tinha uns 12 anos de idade. Eu me lembro bem, parece que foi ontem, nunca mais esqueci. Eu fiquei encantado com aquele ambiente do cinema.

Depois dessa primeira vez, o senhor foi a cinemas muitas outras vezes?

O quanto podia. Meu pai sempre ia na padaria ao lado do cinema eu ficava em frente ao cinema, porque para mim era um encanto, aquela lembrança do interior, para mim parecia a mesma imagem. Mas eu era pequeno, quando eu cresci passei a freqüentar esse cinema. Por isso que aqui tem o nome de Mini Cine Tupy, é uma homenagem ao Cine Tupy.

Quando o senhor começou trabalhar como catador de sucata e como achou o seu primeiro projetor?
Eu montei um negócio próprio, faz uns 15 anos. Mas não deu certo, faliu. Fui procurar emprego, mas não achava e a situação foi ficando difícil. Eu pensei: o jeito é catar papelão e vender. Aí comecei a tirar o sustento da minha família e graças a Deus o que eu sempre quis, desde a infância no interior, eu consegui realizar, o sonho de fazer platéia, projetar um filme para as pessoas da periferia, porque encontrei o projetor no lixo.Quando comecei a catar papel passei a encontrar no lixo esses materiais quebrados e fui trazendo para casa e montando.
Para mim era uma riqueza encontrar aqueles materiais Eu montei aquele projetor, emendei aqueles pedaços e rolos de filme e comecei a projetar.

Como foi a sua primeira projeção de filme?

Eu esperei anoitecer, coloquei um lençol na parede e projetei os filmes que eu havia emendado. Esse filme já foi passado na TV Cultura. Era pedaço de um, pedaço de outro, um era chiado, o outro preto e branco. As crianças nunca tinham visto aquilo na vida, elas foram se aproximando curiosas, olhando a luz do projetor, olhando o lençol. “Seu Zagatti o que é isso? Isso é cinema!”, eu respondia. Aí elas sentavam para assistir. Também tinha algumas pessoas no bar e elas saíram e vieram assistir o filme.
O cinema aqui é modesto, é pobre, mas a gente passa filme que é exibido em qualquer cinema. Eu tenho VHS, mas DVD também. Não ficamos só nos filmes antigos.Todo cinema tem pipoca e aqui as pessoas nem pagam para o cinema, nem para a pipoca, porque a maioria das crianças não tem dinheiro nem para comprar pipoca. Elas têm direito. Já que elas não podem ir lá no “cinemão”, venham no cineminha.

O senhor fez o seu primeiro projetor aos 12 anos, alguém te ensinou?
Não, foi intuição. Eu consegui na época um pedaço, um rolo de filme. Aí eu fi z um projetorzinho com uma lente de óculos, uma caixa de madeira e um farolete, não tinha luz na cidade naquela época. Depois coloquei duas tampas de lata para enrolar o filme. Eu projetava aquilo na parede, claro que não tinha som, nem movimento, só fi cava o quadrinho, que eu ia mudando. Era um filme do Mazzaropi, o Chico Fumaça, mas naquela época eu não sabia. Hoje eu sou fã do Mazzaropi.

E como foi criado o cinema? Como o senhor conseguiu ajuda?

Eu fui atrás de colecionadores, pessoas que podiam me emprestar filmes. Eu explicava que era catador de papel, passava filmes para crianças e não tinha dinheiro para comprar filmes.
Passei a freqüentar uma biblioteca que reunia colecionadores e conheci pessoas que me emprestavam filmes, eu trazia para casa e divulgava a exibição para as pessoas do bairro.

Como o senhor continuou esse trabalho de levar o cinema para a periferia?

Eu andava com o meu carrinho, catando papel na rua, via uma parede boa para projetar filme, conversava com o morador daquela casa e explicava que eu queria passar um
lme para as crianças ali. As pessoas não entendiam, eu com aquele carrinho dizendo que que-ria passar filme? Eu passava, mas nem sempre dava certo, porque às vezes chovia e eu tinha que cancelar.
Aí eu pensei que precisava exibir os filmes em escolas. Um dia encontrei um jornal no lixo que tinha o telefone da Secretaria Estadual de Cultura do Taboão.
Decidi ir lá para falar com o secretário, mas foi muito difícil falar com ele, mas eu me sentia no direito de falar com ele, eu precisava conversar. Consegui falar com a assessora do secretário.
Conforme eu fui contando meu trabalho, eles foram se interessando. Depois me convidaram para fazer a 1ª Mostra de Cinema Nacional, foram três dias de filmes. Depois disso eu trabalhei por seis anos na Secretaria Estadual de Cultura. Fui contratado pelo Marcos Mendonça, presidente da Fundação Padre Anchieta, da TV Cultura. Eu levava o cinema para a periferia, para idosos, para a Grande São Paulo.
Mas mudou toda a Secretaria, o Governo e eles queriam que eu fizesse um trabalho interno, que não era nada de cinema, e não é isso que eu quero, eu quero trabalhar com gente. Mas eu fui para vários lugares da cidade, vários asilos naquela época.

As sessões de domingo continuam?

De uns tempos pra cá ficou mais difícil. Nem sempre dá. A lâmpada do meu projetor ficou desgastada e fiquei alguns meses sem poder exibir. O público se distanciou porque sempre que eles vinham e eu dizia que ainda não tinha condições, aí as pessoas se afastaram. Agora que consegui a lâmpada e vou voltar às sessões.

Qual é o seu maior sonho?

Meu sonho é conseguir continuar o meu trabalho, ter estrutura. Eu queria que esse espaço tivesse qualidade, todo o conforto que uma pessoa merece. Eu acho que não tem diferença quem mora no Morumbi e quem mora na favela, é gente também e tem os mesmos direitos.
Eu queria que aqui fosse parecido com uma sala de cinema, tivesse carpete, ar condicionado. Meu sonho é esse, olhar as pessoas e ver que elas estão se sentindo bem aqui.

Texto e imagens reproduzidos do blog: gentedemais.blogspot.com.br

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